quinta-feira, 15 de agosto de 2013

É possível produzir alimentos sem glúten em uma cozinha onde se manipula glúten?


Aposto que essa é a pergunta que muitos se fazem! Eu mesma já me perguntei várias vezes e também já fui questionada a respeito. E quando começamos a pensar na possibilidade, nos lembramos da contaminação cruzada e do quão séria é essa questão. 

Só aqui, em Ribeirão Preto, já encaminhei email para dois estabelecimentos que diziam produzir alimentos sem glúten quando, na verdade, eram produzidos em um mesmo ambiente que outros alimentos. E então, como fica essa questão? Infelizmente, esses alimentos passam a ser apropriados somente para quem segue uma dieta isenta de glúten por opção, ou seja, quem pode consumir alimentos que contenham glúten escondido. Geralmente, são pessoas que fazem dieta sem glúten com o objetivo de emagrecer, melhorar desempenho esportivo ou porque seguem com profissional da nutrição funcional, sem o diagnóstico de doença celíaca. 
O grande problema é que as pessoas não se atentam para a doença celíaca, focando na moda atual, que é a dieta sem glúten, esquecendo de especificar isso nos rótulos. É imprescindível que o estabelecimento esclareça essa questão. Rotular um produto como sendo sem glúten, produzido em condições que não o deixam exatamente livre da proteína, pode trazer sérias consequências a saúde dos celíacos bem como para o estabelecimento. Portanto, todo cuidado é pouco. É um assunto que requer muita responsabilidade, bom senso, conhecimento e orientação. 

Apesar do momento profissional corrido que estou vivendo, tenho acompanhado essa movimentação dos estabelecimentos que se propõem a produzirem alimentos "sem glúten" e, procuro sempre fazer minha parte, como celíaca e cidadã. Incentivo, a cada um de vocês, que espalhem essa sementinha. Ver um problema, achar que ele não me pertence e que nada tem a ver comigo, na minha opinião, é falta de amor ao próximo, lembrando que o próximo pode ser alguém que amamos muito. 
Então gente, mandar um email educado, com algumas orientações não custa e faz de você um celíaco ativo na causa de um mundo melhor para nós. Abaixo, no final do texto, vou disponibilizar o email que encaminhei a um dos estabelecimentos. Assim, vocês podem usá-lo como modelo para que possam fazer o mesmo.

Bom, então fui pesquisar um pouco sobre o assunto e encontrei um documento muito interessante, da ACELBRA-RJ, traduzido do site GIG (Gluten Intolerance Group), que fala a respeito. Fiz algumas adaptações (uni tópicos em comum, sem alterar a informação em si), e disponibilizo para vocês:

Afinal, dá pra produzir alimentos sem glúten em uma cozinha onde se manipula glúten?
A grande maioria sabe (e se não sabe, aprenderá agora) que o pó da farinha de trigo pode ficar no ar até 24 horas depois de manuseá-la. Por exemplo, em uma padaria, o padeiro fabrica pães das 6 da manhã até as 17 horas da tarde. Das 17 horas da tarde de um dia até as 17 horas da tarde do outro dia, ou seja, 24 horas depois que ele parou de manusear a farinha de trigo, ainda haverá trigo suspenso no ar. Entendem agora porque é tão séria toda essa questão? Esse é só um ponto.

Também, já sabemos o que é o glúten e onde ele pode ser encontrado, correto? É exatamente o glúten que dá elasticidade, volume e uma textura agradável aos produtos. Por essa razão, ele é o queridinho dos padeiros. Sem ele, encontram-se todas as dificuldades que nós, celíacos, encontramos para preparar uma receita sem glúten. Já é difícil acertar a textura, sabor e elasticidade dos alimentos que preparamos em nossa casa, onde não há (ou pelo menos, não deve haver) contaminação cruzada. Agora, imaginem em um estabelecimento onde a farinha de trigo é base para a maioria dos alimentos? Difícil, não acham?

Difícil sim, e por esse motivo, uma pessoa que se propõe a produzir alimentos sem glúten deve ter em mente tudo isso, lembrando qual é o tipo de público que vai conseguir atender: é só para quem faz dieta sem glúten por opção ou para celíacos? Se for só para quem faz dieta por opção, é de muito bom senso o fabricante especificar, por exemplo: "produto naturalmente sem glúten porém produzido em ambiente onde são produzidos alimentos com glúten". Vejam como atitudes como essa facilitariam muito a nossa vida. Público existe para ambos os tipos de produção. O que é realmente muito triste é imaginar que alguns fabricantes acabam fazendo isso por má fé e não só pela falta de conhecimento. E existe fabricante que age dessas duas formas. 

Toda essa preocupação é porque pequenas quantidades de glúten (mais de 20 partes por milhão) são muito prejudiciais para nós. Parece pouco mas esse pouco já é capaz de trazer graves consequências.
Em um ambiente, por exemplo, em uma cozinha, além do pó da farinha de trigo no ar, equipamentos compartilhados com as partículas de trigo, a limpeza inadequada, o uso comum de utensílios e a falta de programação para a produção de alimentos com e sem glúten são as principais formas de contaminação cruzada de produtos sem glúten. 

Sabemos que produzir alimentos sem glúten demanda um alto investimento financeiro. No entanto, ninguém consegue assobiar e chupar cana ao mesmo tempo. Se você tem planos de produzir alimentos isentos de glúten, pense sobre o assunto, faça simulações, leia, busque orientação, tire dúvidas e entenda, primeira e principalmente, sobre contaminação cruzada. Conheço estabelecimentos que pensaram na possibilidade e, quando foram buscar informações a respeito, desistiram, pois viram o quão séria é essa questão. Entendam que isso é lidar com a saúde das pessoas. Não há nada de errado admitir que é muita responsabilidade para se assumir esse tipo de produção. O que é muito errado (mas MUITO mesmo!) é a pessoa saber de tudo isso e fingir que não sabe, visando somente lucrar com produtos sem glúten. 

Sim, é possível, desde que os procedimentos sejam rigorosamente seguidos, visando evitar a contaminação cruzada. Entendam algumas etapas fundamentais:

Manuseio dos ingredientes e equipamentos
- O armazenamento e a preparação dos ingredientes devem ser separados. Por exemplo, os ingredientes sem glúten devem ter uma área de armazenamento, preparação e embalagem próprias. Os produtos devem ser armazenados em recipientes fechados e pacotes, devidamente marcados para que não haja confusão entre eles.
- Utensílios e equipamentos devem ser separados, ou seja, ferramentas de medição, panelas, tigelas e etc., devem ser usados exclusivamente para produção de alimentos sem glúten. Para facilitar, pode-se usar etiquetas para identificação.
- Os funcionários devem usar roupas limpas e mãos higienizados ao manusearem produtos sem glúten. Jalecos, aventais, toucas e luvas devem ser exclusivas para a produção de alimentos sem glúten. Nesse tópico, inclui-se a alimentação dos funcionários: não deve ser permitida, na área de produção, a entrada de alimentos e bebidas para as refeições.

Instalações e limpeza
A melhor forma de evitar a contaminação cruzada com o pó residual da farinha de trigo, que não é capaz de ser facilmente removida com a limpeza normal, é ter equipamentos que controlam o fluxo de ar entre as duas áreas de produção, a de alimentos sem glúten e a de alimentos com glúten. Além disso, o sistema de limpeza "wet cleaning" (molhado), é a melhor maneira e remover o glúten do ambiente, equipamentos e utensílios. Em resumo, água e sabão para eliminar o risco de contaminação cruzada. Álcool e pano não resolvem absolutamente nada. Afinal, glúten não é bactéria, certo?

Cronograma de produção (24 horas)
Considerando que o pó da farinha de trigo permanece no ar por até 24 horas, com toda certeza esse pó vai se depositar sobre as superfícies do ambiente, ou seja, mesas, pia, armários, equipamentos, utensílios e onde mais puder. Esperar 24 horas, após a última produção feita com glúten, é uma maneira de também se evitar a contaminação cruzada. O ideal é que se agende a produção dos alimentos sem glúten para as manhãs da segunda-feira, após minuciosa inspeção do local, garantindo que no fim de semana não tenha ocorrido produção de alimento com glúten. Observe a poeira no ambiente e limpe-o rigorosamente, incluindo maçanetas e portas. 

Importante mencionar que a ACELBRA-RJ recomenda que "os profissionais especializados sejam consultados sobre os procedimentos adotados e que os funcionários do estabelecimento recebam orientação técnica sobre a doença celíaca/sensibilidade ao glúten e as diversas formas de contaminação cruzada, para garantir que não haja falhas na produção."

Ou seja, minha gente, TREINAMENTO. Muito treinamento para os funcionários entenderem o que é a doença celíaca e quais as formas e riscos da contaminação cruzada para nós. Sem conhecimento não há consciência e portanto, não há mudança.

Entendem porque não dá para acreditar, logo de cara, em fabricantes que dizem produzir alimentos sem glúten? Não é tão simples quanto parece, infelizmente. 

Agora, deixo com vocês alguns materiais que julgo importantes. Vou começar pelo email, que mencionei lá em cima. Logo depois, deixo alguns links que gostei bastante também.

**

** Modelo de email a ser enviado para estabelecimentos. Cliquem na foto para visualizá-la em tamanho maior. Os trechos entre [] ou {} podem ser removidos e substituídos por outros, se assim desejarem.


Dicas super bacanas

✍ No site do GIG, vocês vão encontrar, originalmente em inglês, boletins educacionais a respeito da doença celíaca e temas relacionados. Tem muita coisa bacana! Para quem não lê em inglês, é só pedir para traduzir a página, lá em cima, no cantinho esquerdo da tela. Não fica 100% mas já ajuda a entender o contexto. Clique aqui para conhecer!



E por último, quero deixar uma pergunta a todos os fabricantes, para que essa leve-os a refletir sobre a seriedade desta questão:

Vocês dariam açúcar escondido a um diabético? 
Então, por que querem nos dar glúten escondido?



Fonte: ACELBRA-RJ; GIG (Gluten Intolerance Group)

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...